A Crise dos Sucessores no Japão: Por que Muitas Empresas Não Tem Quem Assuma o Comando?


A Crise dos Sucessores no Japão

Cada vez mais empresas — especialmente pequenas e médias — não têm sucessores para assumir a liderança, o que leva ao fechamento precoce de negócios rentáveis

As empresas familiares sempre foram a espinha dorsal da economia japonesa. De pequenos restaurantes tradicionais a fábricas centenárias, muitas delas definem a identidade cultural e o dinamismo econômico do país. No entanto, o Japão enfrenta hoje uma preocupação crescente: a falta de sucessores para assumir o comando desses negócios.

Esse fenômeno silencioso está ameaçando milhares de negócios tradicionais. Em pequenas cidades, onde negócios familiares sustentam empregos e serviços essenciais, o fechamento de uma loja pode significar o colapso silencioso de toda uma comunidade.

Neste artigo, você vai entender por que isso está acontecendo, quais são os impactos e quais soluções vêm sendo implementadas pelo governo e pelo próprio mercado.

O que é a crise de sucessão no Japão?

A crise ocorre quando donos de empresas, geralmente já idosos, não encontram alguém para assumir a empresa e dar continuidade ao negócio — seja dentro da família, entre funcionários ou por meio de compradores externos. Esse problema atinge desde pequenas lojas familiares de bairro até fábricas, restaurantes, transportadoras e empresas de tecnologia.

Em um país onde 99% das empresas são pequenas e médias, o impacto é enorme.

Uma pesquisa recente realizada pela Tokyo Shōkō Research sobre a situação de aproximadamente 170.000 empresas revelou que 62,60% das empresas não possuem um sucessor, um aumento de 0,45 ponto percentual em relação ao ano anterior.

A taxa de empresas sem sucessor tem aumentado ano após ano desde que a pesquisa foi realizada pela primeira vez, em 2019. Atualmente, 6 das 10 categorias industriais apresentam uma taxa superior a 60%. Confira abaixo algumas das causas para a crise de sucessão.

1. Envelhecimento populacional acelerado

O Japão possui uma das populações mais envelhecidas do mundo. Com baixíssima taxa de natalidade, há cada vez menos jovens disponíveis para assumir negócios familiares. Em muitas regiões, sobretudo rurais, quase não há jovens — muito menos candidatos a empreendedores.

2. Migração para os grandes centros

Em muitas famílias, há poucos filhos — quando há — e muitas vezes eles simplesmente não querem a responsabilidade de gerir um negócio familiar. Eles preferem estudar, trabalhar em grandes cidades ou seguir carreiras distantes dos negócios da família.

3. Mudança nas aspirações das novas gerações

Hoje, jovens japoneses valorizam estabilidade no emprego, jornada de trabalho previsível, áreas modernas como tecnologia e design e mobilidade geográfica.

Assumir uma empresa familiar, muitas vezes pequena, tradicional e muito exigente, com lucros apertados e longas horas de trabalho, pode parecer uma opção menos atraente.

4. Alto custo emocional e financeiro de manter um negócio

Muitos negócios familiares — lojas de bairro, fábricas artesanais, mercearias e restaurantes — enfrentam margens de lucro cada vez menores. Para os jovens, assumir esse fardo financeiro e emocional parece arriscado.

5. Falta de cultura de sucessão profissional

No Japão, historicamente, o sucessor ideal é o herdeiro biológico. A contratação de um gestor externo, a venda ou fusão da empresa sempre foram vistas com um pouco de desconfiança. Essa resistência cultural é um dos problemas que tem agravado a situação.

O impacto econômico da falta de sucessores

1. Fechamento massivo de empresas

Todos os anos, milhares de negócios fecham simplesmente por não terem sucessor — mesmo quando são lucrativos. É a chamada “morte por aposentadoria”. Isso acarreta perda de empregos, queda na economia local, desaparecimento de tradições e produtos regionais. Em muitas cidades pequenas, o fechamento de uma única loja já impacta toda a comunidade.

O resultado disso é o enfraquecimento do turismo regional. Negócios históricos, restaurantes familiares e fábricas artesanais são parte do charme das regiões rurais do Japão.

2. Perda de conhecimento técnico e artesanal

Ofícios tradicionais como tecelagem, metalurgia artesanal, papelaria japonesa e cerâmica desaparecem quando o mestre artesão se aposenta sem aprendiz. Com isso, ofícios artesanais, métodos de produção e saberes culturais se perdem por falta de sucessão.

3. Pressão sobre cadeias de suprimento

Fabricantes de peças, fornecedores locais e pequenas indústrias são essenciais para setores como automotivo, têxtil e alimentício. Quando fecham, grandes indústrias também sofrem.

4. Redução da competitividade do país

Muitas empresas familiares possuem tecnologia própria e décadas de expertise. Sem transição de liderança, esse legado se perde. Elas representam grande parte das exportações culturais e industriais japonesas. Menos pequenas e médias empresas = menos inovação local.

Como o Japão está buscando soluções

Apesar do cenário desafiador, o país vem se movendo rapidamente para evitar um colapso das empresas familiares e algumas iniciativas públicas e privada vem ganhando força.

1. Incentivos governamentais para transferência de gestão

Para contornar a situação, o governo japonês hoje oferece consultoria gratuita, financia parte dos custos de transição, reduz impostos para sucessão e compra de empresas e mantém plataformas públicas para conectar empresas sem sucessor a possíveis compradores. O objetivo é tornar a passagem de comando mais simples e menos traumática.

2. Incentivo à sucessão por meio de M&A (fusões e aquisições)

Esta modalidade vem crescendo rapidamente no Japão — algo antes impensável por razões culturais. O governo tem facilitado a venda de empresas familiares a novos proprietários, compras por funcionários ou continuidade por empresários externos.

Hoje existem plataformas como Matching Services, M&A Cloud e Tranfers de empresas regionais que conectam empresas sem sucessor a compradores interessados.

3. Surgimento do “empreendedor por aquisição”

Cada vez mais japoneses — especialmente profissionais experientes na faixa dos 30 a 50 anos — compram empresas familiares para tocar o negócio e revitalizá-lo. É um modelo conhecido como ETA – Entrepreneurship Through Acquisition.

É uma tendência crescente, estimulada pelo governo para que jovens profissionais, ex-executivos e até estrangeiros comprem empresas estabelecidas ao invés de abrir uma do zero.

4. Programas municipais de match-making

Várias prefeituras criaram plataformas que conectam empresários idosos interessados em adquirir ou assumir uma empresa. São como “Tinders de negócios familiares”, facilitando o encontro entre herdeiros e sucessores.

5. Incentivo à sucessão interna

Funcionários de longa data podem se tornar os novos donos, com ajuda de subsídios, redução de impostos na transferência de negócios e empréstimos com juros baixos para sucessores. O objetivo é tornar a transição menos arriscada e mais atrativa.

6. Valorização da cultura local e de marcas tradicionais

Campanhas nacionais buscam mostrar que assumir um negócio familiar pode ser uma forma de continuar tradições, fortalecer a comunidade, criar produtos únicos com identidade cultural, conectar passado e futuro. Isso tem atraído jovens em busca de propósito.

Com isso, tem aumentado programas em universidades, prefeituras e câmaras de comércio com o objetivo de ensinar sucessores a operar empresas familiares, incluindo contabilidade, gestão de equipes, relacionamento com a comunidade e preservação de tradições.

7. Sucessores estrangeiros

Em regiões rurais, há casos de estrangeiros assumindo negócios como hotéis ryokan, restaurantes, fábricas artesanais ou negócios agrícolas. O governo tem flexibilizado vistos para esse perfil, fortalecendo tanto a imigração quanto a manutenção econômica local.

8. Mudança de mentalidade

Campanhas nacionais e reportagens incentivam famílias a planejarem cedo a sucessão — algo que muitos evitavam por tabus culturais.

Um futuro possível: legado, inovação e continuidade

A crise dos sucessores é um problema real, urgente e complexo — talvez um dos mais simbólicos desafios do Japão contemporâneo. Mas também pode abrir oportunidades para novos empreendedores, revitalizar cidades pequenas e inovar setores tradicionais e culturais.

As empresas familiares são parte viva da identidade japonesa. E, se encontrarem novos guardiões, podem continuar sendo pilares econômicos e sociais para as próximas gerações. Para isso acontecer, é necessário que novos empreendedores, locais e estrangeiros, redescubram a importância da herança cultural japonesa.

O futuro das empresas familiares no Japão depende dessa combinação entre tradição e inovação. E, ao que tudo indica, o país está caminhando para transformar uma crise em uma nova forma de crescimento.

Imagem do topo: Depositphotos

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