A Lição do Silêncio

A Lição do Silêncio

Pertencemos ao destino ou o destino nos pertence? Descubra neste conto inspirado na sabedoria japonesa.

Por Mara Vanessa Torres & Rafaela Torres

Há um provérbio japonês que diz: “Se não é certo, não faça. Se não é verdade, não diga”. Era isso o que Hayashi-dono ensinava aos seus alunos.

Eles estudavam na tradicional escola do clã Hayashi desde a troca dos primeiros dentes e só deixavam a instituição depois de receber o último título de aprendizado.

Entre os estudantes, havia um de nome Niten Shuntoku. Aos dezesseis anos, contava nos dedos os dias que o levariam para fora dos muros de bambu da escola.

Seu maior sonho era seguir a carreira do pai, do avô e de seus dois irmãos mais velhos: queria ser samurai e se tornar um exímio guerreiro, conquistando o respeito de seu clã e dos demais a partir de suas habilidades com a espada.

No entanto, anos antes, a mãe ficara muito doente. Antes de morrer, soprou para o pai como último desejo que Shuntoku se dedicasse exclusivamente às letras ou à vida religiosa.

Comovido, Niten San decidiu atender letra por letra do pedido de sua esposa e enviou o filho caçula para a escola do clã Hayashi.

* Mountain House de Soueurise

Sol após sol, lua após lua, Shuntoku se aborrecia com os ensinamentos e a vida escolar. Ao final de tudo, só restaria a enfadonha carreira administrativa ou os dias trancados no monastério.

Naquela noite de lua cheia, quando as preces de arrependimento eram recitadas no templo, Niten Shuntoku decidiu esquecer que não devemos fazer o que é errado e que não devemos mentir.

Sem pestanejar, forjou uma carta onde solicitava, em nome do pai, que fosse liberado da escola. Segundo a falsificação, ele deveria seguir para a casa da família para enterrar um ancião do clã.

Ao finalizar, entregou o documento a Hayashi-dono, que leu com calma e sabedoria. Em seguida, ainda quando a coruja piava, o Sensei disse:

Muito bem, Niten Shuntoku. Arrume suas coisas e vá para casa. Sua família precisa de você.

O jovem aprendiz dissimulou a felicidade interna e correu para os aposentos que dividia com mais seis alunos. Todos dormiam profundamente quando Shuntoku arrumou os poucos pertences em uma trouxa e deixou a escola.

Agora sim, ele estava livre como o vento que leva embora a poeira do chão. Caminhando pela estrada sem luminosidade, o jovem Niten Shuntoku entrou em uma floresta de mata fechada.

Árvores de troncos escuros e grossos sacudiam com a proximidade de uma tempestade. A lua abandonou o céu e apenas o silêncio e a escuridão se fizeram presentes. Pela primeira vez em sua vida, Shuntoku sentiu medo. Não havia sequer o rastejar de animais noturnos. Nada. Tudo estava mudo, como se a natureza se calasse diante da atitude reprovável do estudante.

Sem perceber, ele tropeçou em algo duro e pesado. Caiu no chão, machucando o rosto. Levantando com um pulo, Niten Shuntoku viu os olhos de sua mãe e de seus avós esbugalhados em sua direção. Todos estavam mortos. Em desespero, ele correu pela floresta, mas o silêncio o oprimia.

Horas depois, exausto, deixou-se cair na relva. Observando o céu, lembrou do carinho com que sempre fora tratado na escola do clã Hayashi. Lembrou dos ensinamentos e de tudo o que o fazia ser uma pessoa melhor. Em lágrimas, disse:

Meus antepassados, eu me arrependo muito de ter agido mal e envergonhado minha família. Eu só quero ser como o meu pai e como meus irmãos. Quero ter o destino reservado aos homens de meu clã. Quero ser um samurai. No entanto, ninguém parece me escutar.

Então, inesperadamente, o silêncio falou com Niten Shuntoku utilizando a voz do coração:

Caro Shuntoku, filho de Niten Razan, neto de Niten Hiroshi. Ninguém vai obrigá-lo a seguir o seu destino, a não ser você mesmo. O que está escrito, está escrito. Suas ações são o seu próprio caminho, que se modifica a cada linha da tapeçaria da vida que você entrelaça. Caminhe pela retidão. Não envergonhe sua família com ações egoístas e desonrosas. Há sempre uma nova rota para quem sabe qual é o seu verdadeiro destino.

* Japanese Horizon de Crime Control

Agradecido, Niten Shuntoku despediu-se da floresta e honrou o silêncio, essa sabedoria ancestral e mágica, com uma longa meditação. Em seguida, voltou para a escola do clã Hayashi. Lá chegando, pediu para falar com Hayashi-dono e foi atendido.

Sensei Hayashi-dono! Peço perdão pelas minhas mentiras e dissimulações. A carta que lhe entreguei não possui sequer uma linha de verdade – disse, com a cabeça encostada no chão.

Levante-se, Niten Shuntoku — disse o sensei — Faz apenas uma hora que você deixou as paredes de nossa escola. Eu soube a verdade assim que toquei no papel. Se está arrependido com todo o seu coração, eu o aceito de volta e não comunicarei nada ao seu pai.

Sensei, como pode ter se passado apenas uma hora? O dia está quase surgindo!

Olhe pela janela — respondeu o Sensei Hayashi-dono.

Niten Shuntoku olhou. Tudo estava escuro e silencioso como no momento em que ele saiu da escola e caminhou pela floresta. Perplexo, o estudante meditou. E entendeu. Grato ao mestre e ao silêncio da floresta, Niten Shuntoku voltou aos seus aposentos.

Vinte anos depois, Niten Shuntoku deixou a tradicional escola do clã Hayashi como um dos professores mais queridos e sábios e assumiu o lugar de seu pai como samurai do clã Niten, posição que honrou até o dia de sua morte.


Mara Vanessa Torres é escritora, jornalista, revisora e crítica cultural. Tem profunda admiração e crescente interesse pelo universo artístico e cultural nipônico. @abyssal_waters

Rafaela Torres é escritora, psicóloga, ilustradora e gamer. Apaixonada pela cultura asiática. @rosenightshade

Créditos da imagem do topo: Japanese Scroll de MontanaBoy

3 Comentários

  1. Maria

    Eu me emocionei muito! Parabéns!

  2. Nicolás Irurzun

    Muito bonito!!

  3. Igor Vanucci

    “O que está escrito, está escrito. Suas ações são o seu próprio caminho, que se modifica a cada linha da tapeçaria da vida que você entrelaça. Caminhe pela retidão. Não envergonhe sua família com ações egoístas e desonrosas. Há sempre uma nova rota para quem sabe qual é o seu verdadeiro destino.”

    Obrigado por compartilhar esse texto, excelentes ensinamentos como o que destaquei acima.

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