Fábulas da Sábia Yoki (Parte 1: A Tocha e Uma Oferta)


Shrine por Atey Ghailan

Uma sábia mulher consegue reunir os corações dos moradores de uma pequena aldeia por meio de suas narrativas.

Por Mara Vanessa Torres & Rafaela Torres

Ichiji ga banji
*(Uma coisa são dez mil coisas.)


Os aldeões estavam ansiosos. Naquela noite, a veneranda Yoki sairia de sua longa reclusão meditativa e iria sentar ao redor da fogueira, bebendo um pouco de chá, comendo uma tigela de arroz e contando suas narrativas fantásticas.

Quando a lua acenou do mais alto céu, Yoki chegou. Ela trazia seu antigo kimono bem limpo e asseado, e seus pés brilhavam toda vez que os raios lunares o tocavam.

A sábia aproximou-se do calor do fogo, sentou no tamborete oferecido especialmente para ela e começou:

— Hoje irei contar duas histórias. Ouçam com atenção, pois não repetirei uma só palavra.

— Sim, sábia Yoki – responderam em coro.

— Pois bem. Vamos começar:

“Certo dia, uma das tochas de um imponente yashiki achou que sua importância e brilho estavam acima de todos os pontos de luz. Como era a preferida do general responsável pela guarda e proteção da mansão extremamente fortificada, a tocha achou que seu brilho valia mais do que a de todas as outras.

Seu orgulho cresceu tanto que, um dia, nem mesmo as labaredas de um incêndio colossal foram capazes de intimidá-la. Afinal, ela era a tocha do general.

Certo dia, a mansão foi invadida e a tocha foi apagada e lançada dentro de uma grande fogueira. Nem mesmo as cinzas foram mantidas no lugar, já que um vendaval as espalhou pelos quatro cantos da região.

Antes de desaparecer por completo, a tocha escutou a recomendação da última chama da fogueira:

— Não há nada que dure. Não há nada imutável. Somos partes da mesma cinza.

E o fogo se apagou.”

Crianças, jovens e adultos não movimentaram um só músculo, ouvindo e absorvendo atentamente as narrativas de Yoki.

Imagem: Rising Sun por Maryam Safdar

— Agora vamos conhecer a outra história:

“Dois homens caminhavam pelas dunas de Tottori. Ambos estavam cansados e sedentos. Quando o sol aqueceu o lugar de forma insuportável, a sorte acenou para eles: um belo refúgio de água pura e sombra foi encontrado.

Depois de matarem a sede, organizarem uma reserva de água para a viagem e descansarem, eles viram uma bela mulher se aproximando. Ela se vestia como uma dama aristocrata, cheia de adereços caros e perfume de flores. Em uma voz melodiosa, a mulher disse:

— Ofereço a vocês essa bolsa cheia de pedras preciosas e minha própria mão em casamento se me cederem metade da reserva de água de vocês.

O primeiro homem, encantado com a beleza da mulher, apressou-se e, passando pelo companheiro, disse:

— Eis aqui mais da metade da minha reserva de água. Aceito a sua oferta.

— E você? – Ela perguntou ao outro homem. Ao que ele respondeu:

— O que me interessa suas joias e sua formosura em um lugar como este? Mais vale a água para matar a sede. Para mim, ela é sagrada.

Nesse momento, a mulher se transformou em uma raposa e levou embora quase toda a reserva de água do homem que aceitou a proposta.

Durante todo o percurso, ele dependeu exclusivamente da generosidade do companheiro de viagem.”

Ventava suavemente quando a sábia Yoki terminou de narrar sua última história da noite.


Mara Vanessa Torres é escritora, jornalista, revisora e pesquisadora. Escreve sobre tecnologia, arte, cultura, ciência e cultura asiática. Tem uma mente que acredita em enigmas e no poder da transcendência. Twitter: @maravanessatmf

Rafaela Torres é escritora, psicóloga, ilustradora e gamer. Apaixonada pela cultura asiática e por trilhas sonoras. Instagram: @rosenightshade

Créditos da imagem do topo: Shrine por Atey Ghailan

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