Por que festivais e rituais seculares estão desaparecendo no Japão?


Por que festivais e rituais seculares estão desaparecendo no Japão

Devido ao declínio da população, dezenas de festivais e danças tradicionais designadas como ativos intangíveis da cultura popular foram encerrados ou suspensos no Japão. Como continuar a preservar as antigas tradições?

A história, a cultura e a tradição são itens fundamentais para conservar a identidade de um país. E isso foi enfatizado pelo registro de 33 festivais tradicionais em todo o Japão que nos últimos anos foram incluídos na lista de Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO.

No entanto, sabemos que a realidade pode ser bem diferente, mostrando a dificuldade de conseguir manter essas tradições seculares nos dias de hoje, em razão do envelhecimento da população e o êxodo de jovens das zonas rurais para os centros urbanos.

Cerca de 60 festivais e danças tradicionais em 20 prefeituras designadas pelos governos locais como ativos intangíveis da cultura popular foram encerrados ou suspensos devido ao declínio da população e ao envelhecimento das comunidades rurais, revelou uma pesquisa.

De acordo com a Agência de Assuntos Culturais, os governos das províncias nomearam 1.651 eventos como ativos intangíveis da cultura popular em maio de 2016. Além desses, 6.264 eventos foram designados como ativos intangíveis da cultura popular por cidades, vilas e aldeias em todo o país, embora alguns já tenham sido suspensos ou abolidos.

Namahage

Namahage Festival, em Akita (Wikimedia Commons)

Dos 60, seis eventos tradicionais em quatro prefeituras foram interrompidos, incluindo kagura (música e dança xintoísta) em Shiroi, província de Chiba; shishimai (dança do leão) inspirada no kabuki em Gamagori, província de Aichi; modos e costumes de pesca em Tsushima, província de Nagasaki e tsue odori (dança com bastão) em Saiki, província de Oita.

Um funcionário do governo da prefeitura de Chiba disse que as comunidades rurais estão lutando para encontrar pessoas para herdar as tradições, à medida que suas populações diminuem. Enquanto isso, 54 eventos em 17 prefeituras foram suspensas, incluindo 11 em Kumamoto, oito em Miyagi e Wakayama e quatro em Chiba, Fukui e Nara.

Algumas prefeituras divulgaram o número de festivais suspensos, mas não seus nomes, em consideração aos residentes locais, que dizem se sentir culpados por não poderem continuar os eventos. As comunidades tem tentado manter essas tradições vivas, fazendo com que as crianças aprendam sobre elas na escola ou convidando pessoas de fora para participar.

Ritual do Arroz no Santuário Katori, em Chiba (Wikimedia Commons)

Tradições antigas estão desaparecendo no Japão?

“Sim, para ser franco”. Essa foi a resposta dada pelo professor Darren Ashmore da Universidade Internacional de Akita que a duas décadas se dedica a estudos sobre o Japão, com especialidade em antropologia, cultura pop e revivificação da arte popular.

Segundo o professor, os motivos podem ser a introdução de tecnologia, a redução da população, a falta de interesse ou importância percebida, ou a falta de praticidade que certas tradições tem hoje em dia, além da ascensão da cultura pop entre as novas gerações.

O Japão está conectado com o passado de muitas maneiras, mesmo que cada vez menos. Às vezes, uma tradição se torna um costume, ou vice-versa. Outras vezes, a única maneira de preservar a cultura é modificá-la de acordo com as mudanças da situação e dos tempos.

Quando tentamos manter uma tradição nos dias de hoje, sem as adaptações necessárias, só pode haver fracasso. E perdemos parte da cultura com cada tradição perdida. No entanto, é algo que não deve ser forçado e sim aceito pela sociedade para que possa sobreviver.

Antigas tradições que parecem irrelevantes hoje em dia, já tiveram um uso e propósito prático que hoje não se aplicam mais – mas o ritual continua. Frequentemente, esses costumes e rituais se misturam, permitindo múltiplas interpretações de significado.

Na rotina diária dos japoneses podemos observar uma mistura de costumes e tradições antigas. Talvez a característica cultural mais conhecida do Japão seja o de tirar os sapatos antes de entrar em uma casa (santuário, templo, sala de chá, sala de tatame, etc).

O pensamento tradicional dita que o exterior é impuro e o interior é puro. É quase que uma maneira espiritual de pensar. No entanto, é um costume conveniente pois esse pensamento concilia com a praticidade que é o de manter a sujeira e poeira fora do nosso lar.

Como continuar a preservar as antigas tradições?

Desde o início da globalização, há uma constante interconexão entre povos de diferentes culturas, origens, ideologias e morais. Isto pode de fato interferir no modo como as pessoas vivem, especialmente pelo valor econômico dado ao mercado ocidental.

Além da influência massiva dos padrões sociais ocidentais nas mídias e TV, ainda tem o fato dos jovens partindo para cidades maiores, sem contar a cultura pop colidindo com a cultura tradicional. Por estes motivos, é necessário um olhar cuidadoso e avaliar os melhores métodos na tentativa de neutralizar as ameaças que esses fatores tem causado à cultura japonesa.

Muitas tradições correm o sério risco de desaparecer para sempre, sobrevivendo apenas em livros de história. Em contrapartida, quando nos agarramos a uma tradição que não tem praticidade na sociedade atual como tinha antes, ela acaba se perdendo com o tempo.

O Japão tem uma cultura extremamente forte e faz um bom trabalho em manter suas tradições e sua cultura. É verdade que as demandas de tempo e energia das pessoas estão corroendo sua capacidade de participar de atividades e tradições habituais, de modo que a cultura tradicional está sofrendo sob o comando de uma configuração socioeconômica aberrante.

Mas se as tradições se manifestassem sob uma nova luz que as preservasse, então elas tem chance de sobreviver ao passo que continuará sustentando seus valores tradicionais. É interessante a habilidade que o povo japonês tem de promover criativamente uma nova cultura que também é totalmente exclusiva do Japão, como vemos na cultura pop.

E o Japão, sabe se reinventar em todos os aspectos. Não foi por um acaso que de uma nação pobre e retrógrada, tornou-se em uma das maiores potências nas últimas décadas.

A grande vantagem da cultura é que ela muda. Sim, algumas tradições podem morrer, mas novas tradições estão sempre sendo criadas. Em 200 anos, os professores podem estar preocupados que a tradição do bolo de Natal esteja à beira de se perder.

O que faz a cultura persistir, no entanto, é como ela continua a falar às pessoas através dos tempos em relação a temas universais recorrentes em uma determinada sociedade. E a globalização tem ajudado que essas antigas tradições sejam assimiladas por outras culturas.

Fontes: japantimes.co.jp, japantoday.com
Imagem do topo: jpellgen @1179_jp / flickr (Hikawa festival, em Kawagoe)

2 Comentários

  1. Carlos

    Posso estar enganado, mas vejo a sociedade como um organismo “vivo” e que evolui (na falta de uma palavra melhor) e dessa maneira, antigos hábitos vão desaparecer e novos vão surgir. Isso é natural e ocorre com todos os países, mesmo aqueles mais apegados às suas tradições como o Japão. Isso sempre aconteceu e não é novidade, basta estudar a história. Não vejo isso como algo ‘ruim’, essencialmente, mas com naturalidade. O problema crucial por trás disso, não é o fim dos festivais, mas sim a diminuição da população que faz com que povoados inteiros desapareçam, vilas se tornem ruínas e a história das pessoas evapore e ai sim, o conhecimento é perdido de vez.

  2. Talvez seja, como dito, uma questão de adaptação. Muito do suposto problema é na verdade a solução. Só lembrar que a cultura pop que parece apagar tradições antigas é a mesma responsável por trazer de volta à cultura popular das novas gerações os símbolos, folclore e cultura de eras anteriores, com uma roupagem fascinante e que chama a atenção para o material original. Basta lembrar da relevância que os Youkais tem ganhado nos últimos 30 anos. Dos bichos de Pokémon, as criaturas de InuYasha, os Onis de Kimetsu no Yaiba e por aí vai.

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