Okinawa: A cultura única das Ilhas Ryukyu


Castelo de Shuri, Okinawa

O Reino Ryukyu ocupava um próspero posto comercial entre Japão, China, Coreia e outras nações asiáticas, que resultou em uma fusão de culturas do leste asiático.

As raízes culturais de Okinawa estão no Reino Ryūkyū, que durou 450 anos a partir de 1429 e ainda hoje, elas continuam presentes na cultura vibrante das ilhas. Este pequeno reino insular desenvolveu sua própria cultura, reunindo elementos do Japão, China, Coreia e sudeste da Ásia, e estabeleceu uma posição internacional por meio do comércio e da diplomacia.

Por 450 anos, o Reino Ryūkyū floresceu como um estado independente que governou as ilhas Nansei no que hoje é a parte mais ao sul do Japão. Esta pequena nação marítima, composta por uma cadeia de ilhas entre Kyūshū e Taiwan, tornou-se um estado tributário da China Ming na segunda metade do século XIV e se tornou um grande entreposto nas rotas de comércio do Leste Asiático, importando e revendendo artigos de nações do Leste e Sudeste Asiático.

Imagem: Wikimedia Commons

O Bankoku shinryō no kane (O sino da Ponte das Nações) foi lançado em 1458, durante o reinado de Shō Taikyū (1415-1460), sexto governante da primeira dinastia Shō.

O sino carrega uma inscrição em chinês clássico que descreve Ryūkyū como uma ilha como o lendário Monte Penglai (Hōrai) nos mares do sul, uma ilha paradisíaca que importou os melhores itens da cultura da Coreia e mantém relações estreitas com o Japão e a China.

É uma ponte entre as nações e tesouros de terras estrangeiras que enchem o reino Ryūkyū. A inscrição dá uma ideia da prosperidade que fluiu para as ilhas por meio do comércio.

O desenvolvimento do reino como uma nação comercial fez de Ryūkyū um lugar de troca, reunindo pessoas, bens e informações das terras vizinhas. Este cenário cosmopolita foi um fator importante no desenvolvimento de uma cultura distinta nas ilhas do sul do Japão.

Imagem: Wikimedia Commons

Mas Ryūkyū estava vulnerável a mudanças. A partir da segunda metade do século XVI, o desenvolvimento da mina de prata Iwami Ginzan na parte mais ocidental de Honshu causou uma corrida pela prata no leste da Ásia que levou ao surgimento do comércio marítimo privado.

Um dos resultados foi o declínio de lugares como Okinawa, que prosperou como elos intermediários no sistema oficial de comércio internacional. Em 1609, o clã Shimazu de Satsuma, no sul de Kyūshū, invadiu Okinawa, e as ilhas foram incorporadas ao sistema feudal do Japão, embora ainda continuassem a manter um relacionamento formal com a China.

Para substituir a receita em declínio do comércio internacional, as ilhas passaram a produzir e exportar açúcar não refinado e açafrão. Essas mudanças transformaram Ryūkyū em um novo tipo de sociedade, que continuou a existir como um pequeno estado entre os gigantes Japão e China até 1879, quando foi formalmente anexada ao Japão como Província de Okinawa.

O comércio internacional nutre uma cultura de fusão única

Estátuas Shisa nos telhados das casas em Okinawa photo-ac.com

Uma das características da cultura Ryūkyū era a maneira como ela mesclava elementos de diferentes culturas. Os mandados oficiais de nomeação ( jireisho ) emitidos pela corte no século XVI usavam uma combinação única de diferentes escritas de todo o Leste Asiático.

O corpo principal do texto era escrito em hiragana japonês, mas os documentos usavam também o sistema de calendário Ming da China e foram carimbados com o selo real (o selo Shuri) nos cantos superiores esquerdo e direito do documento, usando o estilo chinês.

O formato desses selos e documentos foi influenciado por decretos oficiais emitidos pela Dinastia Ming e pela corte real na Coréia. No Japão, hiragana nunca era usado em documentos oficiais, que eram escritos em uma versão japonesa do chinês clássico. Os documentos Ryūkyū eram únicos e escritos em um estilo que não existia na China ou no Japão.

Documento do clã da família Dana no. 1. Esta é uma carta oficial (jireisho) nomeando o portador para a tripulação do Takara-maru, navio que faria parte de uma viagem diplomática oficial com destino à China. O texto está escrito em hiragana, mas usa uma data chinesa e é carimbado com o “selo Shuri” no canto superior esquerdo e direito, no estilo chinês.
(Okinawa Prefectural Museum and Art Museum)

Um fenômeno semelhante pode ser visto na religião, onde Ryūkyū fundiu elementos de muitas tradições diferentes. O culto jinja ( Shintō ) nas ilhas foi fortemente influenciado pelas tradições Kumano centradas na Província de Wakayama, enquanto vários tira (templo) se dedicavam a bijuru (pedras sagradas) e gungin ( gongen japonês; encarnação ou manifestação de um Buda na forma de uma divindade kami) também puderam ser encontrados nas ilhas.

A palavra tira refere-se a um local de oração que é um pouco diferente de um templo budista (no sentido do cognato japonês, tera). Em termos de budismo, a fé em Kannon (Avalokiteśvara, o bodhisattva da misericórdia) tem uma rica história em Okinawa, onde as imagens do bodhisattva muitas vezes se fundem com a deusa chinesa do mar, Mazu.

Benzaiten é uma deusa de origem hindu, trazida para o Japão pelo budismo e incorporada ao xintoísmo. Está entre os sete deuses da Fortuna e da Felicidade. Imagem: Wikimedia Commons

Na religião indígena, as sacerdotisas noro adoravam a deusa Benzaiten como a divindade protetora de Kikoeōkimi, a princesa noro real de mais alto escalão.

Tudo isso está intimamente ligado a várias formas de tradições religiosas que são nativas das ilhas okinawanas, incluindo a crença em “outros mundos”, pedras sagradas e a natureza feminina do poder espiritual. Um aspecto da fé Kumano é a crença em um mundo puro chamado Fudaraku (Sânscrito: Polataka) localizado em algum lugar nos mares do sul.

Imagem: photo-ac.com

Isso tem uma grande semelhança com as crenças de Okinawa em “Nirai Kanai”, um lugar mítico que se acredita estar localizado em algum lugar muito além dos mares de Okinawa.

A forte crença no poder de várias deusas, incluindo Kannon, Benzaiten e Mazu, também é influenciada pela antiga crença Onari, que acreditava que o poder espiritual é domínio das mulheres. Um exemplo é a lenda que descreve a origem do gunginem Futenma, que incorpora elementos de uma narrativa folclórica associada à deusa chinesa do mar, Mazu.

Este é apenas um exemplo de como as diferentes culturas que foram trazidas para as ilhas ao longo das rotas comerciais foram tecidas em novas formas para criar algo distinto e novo.

Uma classe dominante que cultivou as artes

Kumi Odori, teatro musical tradicional de Okinawa. Imagem: Teatro Nacional de Okinawa

A partir do final do século XVII, a cultura Ryūkyū recebeu um novo papel. De acordo com o Haneji shioki, uma compilação de decisões emitidas durante o tempo de Haneji Chōshū (1617-1676) como sesshō ou primeiro-ministro, esperava-se que as elites Ryūkyū estudassem caligrafia e poesia, cerimônia do chá, arranjos de flores, música, e as artes culinárias.

Em outras palavras, ao contrário do samurai japonês, esperava-se que as elites do Reino Ryūkyū priorizassem as realizações culturais em vez das artes militares.

O drama, a música e as artes aplicadas se desenvolveram entre a classe dominante centrada no castelo na capital do reino em Shuri, agora parte de Naha. Essas formas de arte não se desenvolveram de acordo com as preferências e gostos de artistas e patrocinadores individuais; em vez disso, eles eram supervisionados e dirigidos pelo governo real.

A elite local era responsável pelo cultivo das artes cênicas tradicionais. Em 1719, foi realizada uma apresentação no Castelo de Shuri para entreter um importante emissário da China que viera para testemunhar e reconhecer a ascensão ao trono do novo rei.

Esta primeira apresentação, onde curiosamente todos os dançarinos eram do sexo masculino, mais tarde se tornou o “Kumi Odori” (組踊), o tradicional teatro musical de Okinawa que agora está inscrito na lista de patrimônio cultural imaterial mundial da UNESCO.

Kumi odori ou Kumi wudui significa “dança combinada” ou “dança de conjunto”. Imagem: Wikimedia Commons

O governo de Ryūkyū até tinha um oficial conhecido como magistrado da dança ( odori bugyō ), que se especializava em enviar entretenimento para os convidados de honra em cerimônias de posse chineses e outros eventos formais. Uma das figuras mais conhecidas a ocupar esta posição foi Tamagusuku Chōkun (1684-1734), a quem se atribui a criação do kumi odori.

Nas artes dramáticas, Ryūkyū abraçou uma rica fusão de elementos das diferentes tradições culturais da região. A dança-drama continuou a se desenvolver e finalmente assumiu a posição de orgulho que ocupa hoje como a forma tradicional de arte dramática de Okinawa.

Kumi Odori consiste em música, drama, palavras e dança. Foi baseado em lendas antigas do Japão, China e contos populares de Ryūkyu, e também incorporou elementos de tradições vizinhas, incluindo Noh, Kyōgen e Kabuki, e a tradição de “ópera Min” de Fujian.

Intercâmbios culturais entre Ryukyu e Japão

Ilha de Taketomi, Okinawa Imagem: photo-ac.com

Representantes de Ryūkyū se juntaram ao senhor feudal de Satsuma em suas visitas a Edo para demonstrar fidelidade ao xogun no Castelo de Edo. Entre a delegação estavam oficiais especializados em drama e música, que executaram danças tradicionais em Edo.

Esses jovens da elite Shuri encantaram as pessoas em Edo e outros lugares por onde passaram em sua longa jornada ao norte, e foram festejados como ídolos.

Essas missões oficiais levaram a intercâmbios intelectuais e culturais entre Ryūkyū e Japão. Tei Junsoku (1663–1735), conhecido como o “sábio de Nago”, desenvolveu relacionamentos com pessoas como Arai Hakuseki (1657–1725) e o regente Konoe Iehiro (1667–1739).

O poema que Tei Junsoku compôs quando foi convidado por Konoe em sua villa (“Butsugai rōki”) faz parte do arquivo Yōmei Bunko em Kyoto. Tei também apresentou ao xogun uma cópia de “Seis Cursos de Moral” ( Riku yuengi ), que trouxera dos seus estudos na China.

Rikuyuengi (六諭衍義). Imagem: 2.dhii.jp

Este livro de instrução moral foi mais tarde amplamente usado nas escolas terakoya situadas em templos em todo o país durante o período Edo (1603–1867). Desta forma, o Reino Ryūkyū teve um impacto profundo na formação da ética japonesa durante este período.

O papel diplomático desempenhado pelas artes não se limitou somente à música e ao drama. Um exemplo mais representativo das artes e ofícios dos habitantes de Okinawa são os artigos de laca, particularmente os artefatos kaizuri, incrustados com madrepérola.

A laca era produzida sob controle do governo e usada como presente oficial em missões diplomáticas. Hoje, exemplos de laca que foram usados ​​para fins diplomáticos podem ser encontrados no Museu de Arte Tokugawa em Nagoya e na Cidade Proibida em Pequim.

Novamente, essas obras-primas não foram criadas livremente por artistas individuais. Funcionários do bugyōsho Kaizuri decidia os desenhos e o estilo das peças, que eram então produzidas por artesãos particulares e submetidas ao governo. O clima de Okinawa é ideal para a produção de laca, e o Reino Ryūkyū produziu muitos exemplos notáveis ​​deste artefato.

Feng Shui transforma o cenário tradicional de Okinawa

Linha de árvores fukugi é um cenário comum em Okinawa. Imagem: photo-ac.com

Durante o governo de Satsuma, as ilhas sofreram uma mudança significativa por causa da influência significativa da cultura chinesa. O confucionismo se tornou uma ideologia de estado, e a prática do Feng shui e outros aspectos da filosofia chinesa foram introduzidos.

No século XVIII, as aldeias foram reorganizadas de acordo com os princípios do Feng shui, como por exemplo as linhas de árvores fukugi, que fazem parte da paisagem de Okinawa hoje.

Outros aspectos familiares da cultura de Okinawa se espalharam sob a influência do sul da China durante este período, incluindo shīsā (leões guardiões), o ishigantō (pedras colocadas em cruzamentos em T para afastar os maus espíritos) e tumbas de tartaruga kamekō-baka.

Vista da cidade de Naha a partir do Castelo de Shuri. Imagem: photo-ac.com

A posição do castelo Shuri, em Naha também foi remodelada de acordo com os princípios do Feng shui, assim como toda a cidade que foi crescendo ao seu redor.

O ponto central da prática do feng shui nas ilhas Ryūkyū era a ideia de hōgō ou “abraço”. Em Okinawa, as árvores foram plantadas para criar uma barreira ao redor das casas e garantir energia positiva ou qi. Árvores foram plantadas em grande número nas colinas ao redor do Castelo de Shuri, a fim de prender o qi no castelo e na cidade ao redor.

Anexação, Batalha de Okinawa e o recomeço

Após o fim do Reino Ryūkyū em 1879, a cultura da elite que prosperou em Shuri e nos arredores se dispersou da capital e se espalhou pelo campo, criando raízes na vida das pessoas comuns. Membros da elite que haviam perdido seus cargos como oficiais do governo aceitaram empregos privados como artistas, escrevendo dramas e canções populares de Okinawa que se tornaram parte do entretenimento popular entre os habitantes das ilhas.

Kumi Odori espalhou-se de sua base original na capital para outras partes da nova província, incluindo as ilhas externas, e sobrevive até hoje como uma forma distinta e altamente apreciada de arte teatral. Okinawa é às vezes chamada de “ilha das artes dramáticas”.

Imagem: photo-ac.com

A Batalha de Okinawa em 1945 foi um desastre para as ilhas. Junto com as milhares de vidas perdidas, a conflagração da guerra devastou tesouros culturais acumulados ao longo dos séculos. O Castelo de Shuri e muitos outros edifícios históricos foram reduzidos a escombros e cinzas e, após a guerra, a cultura de Okinawa precisou recomeçar do zero.

Músicos montaram sanshin improvisados (um instrumento tradicional de três cordas) reutilizando latas resgatadas do Exército dos EUA, e as apresentações começaram novamente.

Kimonos com estampas a partir da técnica bingata, usados em festivais em Okinawa. Imagem: photo-ac.com

Artesãos de bingata (técnica de tingimento de têxteis) restauraram peças contando com padrões que escaparam da destruição e usaram caixas de cartuchos vazias como as pontas dos tubos para os sacos cônicos contendo o amido usado no processo de tingimento.

Graças aos esforços dos sobreviventes, a cultura de Okinawa foi trazida de volta à vida e desde então tem florecido cada vez mais. Quando consideramos a cultura de Okinawa e das ilhas Ryūkyū, nunca devemos esquecer que ela nem sempre viveu tempos de tranquilidade ao longo dos séculos – sua sobrevivência hoje é graças ao sacrifício do seu povo, que trabalhou para garantir que sua cultura emergisse das cinzas após passar por tantas adversidades.

Fonte: nippon.com
Imagem do topo: photo-ac.com

1 Comentário

  1. Pingback: Brasileiro realiza sonho ao viajar pelas 47 províncias do Japão | Curiosidades do Japão

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *